Tempelhof, Berlim: a redenção do aeroporto nazi

Quando Adolf Hitler chegou ao poder em 1933, ele quis construir uma grande porta de entrada  para o território do Terceiro Reich. Então, ele mirou Tempelhof, considerado na época o maior aeroporto da Europa. E ali, naquele terreno pediu ao arquiteto nazista Ernst Sagebiel que operasse uma transformação. 

Sagebiel obedeceu e construiu um colosso.

O campo de Tempelhof havia pertencido à Ordem dos Cavaleiros Templários na Idade Média (daí o nome) e sido o berço da famosa companhia de aviação alemã Lufthansa. 

O gigantesco terminal semicircular de Tempelhof foi inaugurado em 1939, remetendo às asas da reverenciada águia-símbolo da Alemanha nazista. Era um aeroporto descomunal, que combinava com a megalomania de Hitler e acolhia os aviões em área coberta.

Mas Tempelhof tinha ainda mais espaço. Então a Gestapo (a polícia secreta do estado nazista) achou conveniente instalar ali uma prisão. Na Columbia-Haus jornalistas, políticos, judeus e outros “inimigos” do regime nazista seriam encarcerados — enquanto voos comerciais iam e vinham, sem problemas nem interrupções.

Não é difícil encontrar registros de Adolf Hitler discursando diante de milhares de pessoas sob bandeiras nazistas. Pois alguns desses massivos eventos foram realizados na ampla áreaTempelhof.

Detalhe no aeroporto Tempelhof. Foto de Martin Lostak_unsplash

 

De infame aeroporto nazi a ponte de salvação

O que ninguém imaginava era que, com o fim da Segunda Guerra Mundial e com o desmoronamento dos planos do Terceiro Reich, esse controverso local pudesse salvar a vida dos berlinenses. Mas foi o que aconteceu.

Com a rendição nazista em 1945, a derrotada Alemanha foi dividida. Franceses, britânicos e americanos ocuparam a metade ocidental do país, enquanto os soviéticos ocuparam a metade oriental. Berlim foi um caso único: foi repartida por dentro, com cada país cuidando de um setor na cidade. Mas como estava na metade oriental da Alemanha, terminou completamente cercada pelos soviéticos. Berlim, então, se tornou uma ilha capitalista dentro de um território comunista.

Ninguém entra em Berlim Ocidental por terra

Três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, as forças soviéticas bloquearam os acessos à Berlim controlada pelos ocidentais. E isso impediu o fornecimento de alimentos, medicamentos e tudo o mais que era importante para vida de dois milhões de pessoas que moravam lá dentro. 

Estava interrompido o fornecimento apenas via terrestre, diga-se. Afinal, se o aeroporto de Tempelhof estava em Berlim Ocidental, o acesso pelo ar ainda existia

E foi assim que, diariamente, duas toneladas de mantimentos passaram a chegar pelo ar –  mesmo com pilotos tendo que sobrevoar o inimigo – mantendo vivos os moradores da Berlim cercada. 

A tensa ponte aérea durou 15 meses e tornou-se uma das mais célebres proezas da história da aviação mundial.

 

Depois de milhares voos, o bloqueio terminou em maio de 1949

Pista de bike no século 21

Voos civis seguiram descendo no Tempelhof ligando Berlim ao mundo ocidental pelos anos seguintes, durante a Guerra Fria. Em 1989, veio a unificação alemã com a queda do Muro de Berlim, que separava os dois lados da cidade, mas o aeroporto continuou funcionando. Até que os voos maiores foram  gradualmente sendo desviados a outros aeroportos mais modernos da cidade.

O lugar que salvou Berlim do isolamento ainda chegou a ser pouso de companhias aéreas low cost até há pouco tempo. Então, um dia, deixou de existir como aeroporto.

Em 30 de outubro de 2008, o último voo regular decolou de Tempelhof às 22h. À meia-noite as luzes do pátio e das pistas de Tempelhof foram desligadas para sempre.

Morria o emblemático aeroporto que salvou da fome Berlim Ocidental. Nascia em 2010, no mesmo lugar, uma das maiores e mais queridas áreas de lazer da cidade.

Moradores do bairro vizinho de Schillerkiez têm em Tempelhof uma horta comunitária e berlinenses em geral fazem piqueniques e churrascos, pedalam, deslizam pelas pistas com skates e pranchas de windsurf com rodas, soltam pipas e jogam bola.

Eu, de bike, flanando pela pista de pouso do aeroporto Tempelhof. Foto de Rafael Carvalho do blog Esse Mundo é Nosso.
Como chegar 
Cheguei lá de bicicleta seguindo o mapa da cidade.
Mas dá para ir de metrô. É só parar em uma dessas estações: Tempelhof, Paradestr ou Platz der Luftbrücke.

*foto de abertura: Lars-schneider_uns

A história de um símbolo nostálgico da Guerra Fria

Eles estão nos semáforos em quase todos os cruzamentos de pedestres em Berlim.

Andando em verde, paradinhos em vermelho, os Ampelmännchen são as luzinhas em formato de homenzinhos de chapéu que – quando acesas – dão a autorização pra você cruzar a rua ou não.

A verdade é que essas figuras fofas – conhecidas como Ampelmännchen – não se tratam de um capricho, mas de um plano bem pensado.

A história dos Ampelmännchen está intimamente ligada à divisão e à reunificação de Berlim.

Rebobina!

Em novembro de 1989 derrubava-se o Muro de Berlim. A imensa barreira de concreto ilhou a capitalista Berlim Ocidental no meio da Alemanha comunista (a RDA) por décadas. Sim, Berlim ficava dentro da República Democrática Alemã, o lado da Alemanha que seguia o regime comunista. E o Muro era o símbolo mais evidente e literal do que era a divisão do mundo naquela época em dois blocos: o comunista e o capitalista.

A queda daquela cortina de concreto representava um passo gigante para o fim da Guerra Fria e para reunificação de Berlim e das duas Alemanhas.

E os bonecos de trânsito que vemos hoje na Berlim unificada, ainda, têm participação especial nessa história.

O mobiliário urbano na Alemanha Oriental

Tudo começou  1961, quando o psicólogo Karl Peglau apresentou sugestões para novos símbolos de semáforo em Berlim Oriental. Sua invenção eram luzes de pedestres na forma de homenzinhos de chapéu, com nariz e até barriguinha proeminente. Nascia o Ampelmann. Ou os Ampelmännchen.

Como psicólogo, inventor engenhoso e estrategista inteligente, Karl sabia do efeito emocional que essas figuras provocariam.

É que estamos mais propensos a confiar em alguém que se parece conosco ou em quem gostamos.

Ou seja, carismáticas figuras realmente parecidas com a gente nos fariam prestar mais atenção nos sinais de trânsito. Muito melhor do que fariam os tradicionais e impessoais homenzinhos palito.

Então… a fofura dos Ampelmännchen não era capricho? Não. Era um plano bem pensado!

As sisudas autoridades da Alemanha Oriental gostaram da ideia e implantaram os sinais com o desenho de Karl.

Houve murmúrios de que o chapéu do Ampelmann fosse um agradinho às autoridades do regime comunista, uma vez que o acessório era bastante usado pelos representantes da Alemanha Oriental.

Será?

Ícones nostálgicos da Guerra Fria

Anos mais tarde, quando o Muro de Berlim já era só escombros, nasceu uma mentalidade coletiva de se livrar de um certo espírito retrógrado que acompanhava os símbolos do regime comunista.

Assim, veio a eliminação progressiva de várias referências à Alemanha Oriental. Mas já era tarde para eliminar os Ampelmännchen, que haviam cativado todos os lados do país. As pessoas agora gostavam dos homenzinhos do semáforo. E os Ampelmännchen tornaram-se figuras cultuadas.

As autoridades se renderam àquela figuras e viram nelas mais razões para perpetuá-las e apresentá-las ao Ocidente do que para destrui-las.

Teve até estudo acadêmico: uma pesquisa feita na Universidade Jacobs em Bremen (Alemanha) compara a eficácia visual dos sinais do Oriente e do Ocidente e registra que os Ampelmännchen não ocupam apenas seu lugar como um ícone nostálgico da Guerra Fria – ele realmente tem vantagem visual sobre os manjados sinais utilizados na Alemanha Ocidental.

Com a Alemanha reunificada e a eficácia dos Ampelmännchen comprovada, pareceu boa ideia instalá-los por toda a nova Berlim em vez da apagá-los.

Mais do que uma ação para a segurança no trânsito, acender os semáforos de toda Berlim com esses homenzinhos de luz foi um grande e inusitado passo para unir o que Guerra Fria havia separado.

Berlim Oriental: AmpelmannBerlin on Visualhunt.com / CC BY