Se alguém me dissesse que eu estava no meio do cenário de um filme de magos e fadas – um Senhor dos Anéis ou algo assim – eu acreditaria.O interior da Lituânia é isso mesmo. Tapete verde, paisagem misteriosa e meio mágica pontilhada por vilarejos, lagos e florestas de coníferas.

O silêncio dessas terras não foi quebrado nem quando movimentos sinistros ocorriam no subterrâneo por 50 anos.

Vista aérea do Parque Nacional Žemaitijos na Lituânia
Vista aérea do Parque Nacional Žemaitijos na Lituânia: quem imaginaria que aí embaixo morava um perigo?

Por volta de 1960, na corrida para igualar sua vantagem militar com os americanos, os soviéticos encontraram no meio da Lituânia, o espaço ideal para uma instalação secreta.

A área onde hoje fica o Parque Nacional Žemaitija – feito de 200 km² de natureza e magia – acolheria, então, mísseis nucleares apontados para países ocidentais.

Mísseis foram levados dali para Cuba na calada de uma noite em que a base operou com as luzes apagadas

A base subterrânea soviética começou a ser construída assim que os moradores pobres receberam alguns milhares de rublos para se mudarem dali. Assim grande parte da floresta foi isolada para sempre.

Dez mil soldados escavaram silos para mísseis nucleares com estações de rádio, salas de controle e depósitos de ogivas e bastante munição de guerra. Tudo impermeabilizado e coberto com terra, de forma que ninguém pudesse perceber – eram tempos de muita espionagem militar – que dali podia ser acionada a temida guerra nuclear entre as potências capitalista e comunista. Arame farpado, alarmes e fios elétricos de 1.700 volts isolavam o perímetro daquele enorme mundo de coníferas.

Vivendo numa aldeia próxima da base, Plunge – hoje um balneário de férias às margens do cristalino lago Plateliai – os militares do 79 º Regimento chegaram a participar até da implantação de mísseis em Cuba.

Em setembro de 1962, mísseis foram transportados dali por trem até chegar a um navio para Cuba na calada de uma noite em que a base operou com as luzes apagadas e soldados em trajes civis para evitar suspeitas de movimento.

COMO É LÁ DENTRO

Todo  esse cenário campestre do parque nacional dissimula a presença de uma base militar na região. Então, na estrada, estar atento às palavras Šaltojo karo, que designam a base na língua lituana, é fundamental.

Finalmente, após encontrar a cerca de arame farpado que delimita o lugar, notamos quatro estruturas de concreto em forma de conchas gigantes que brotam do solo. São as pontas dos quatro silos subterrâneos que armazenavam os mísseis e denunciam a área de lançamento.

Os quatro silos da base militar mostram onde ficavam os mísseis

O mítico botão vermelho que desencadearia uma guerra nuclear existiu.

Uma discreta porta no chão dá entrada para o bunker que abrigou a base militar.

É hora de entrar numa teia de corredores estendida andares abaixo e protegida por chumbo e concreto suficientes para suportar uma explosão nuclear. Documentos, fotos e vídeos até então confidenciais, muita parafernália militar, componentes dos mísseis e propaganda soviética reconstituem em cada sala o cotidiano da base e vão revelando o quão perto de uma guerra nuclear o mundo realmente chegou.

Foto histórica mostra a chegada dos mísseis para instalação.

Máscaras de proteção e os folhetos com instruções de salvamento, primeiros socorros e procedimentos de evacuação criados pela URSS para proteger os cidadãos em caso de guerra estão lá. Tudo original.

Após transpor corredores, salas secretas, portas de ferro e escadinhas íngremes, o melhor está por vir: por uma portinhola se acessa a borda de um precipício de trinta metros de profundidade. É um dos silos que armazenou os mísseis por 20 anos esperando a hora do acionamento. O teto ao alcance das mãos é o interior das conchas vistas lá fora.

Recorte mostra como um míssel ficava guardado na terra.
O “buraco” onde se colocava um míssel

O gabinete restaurado do comandante da base, autorizado a acionar um certo “botão nuclear” está reconstituído também. Brincadeira ou não, a ideia é fazer parecer que, sim, o mítico botão vermelho que desencadearia uma guerra nuclear existiu. Este, que aparece atrás de um vidro de segurança, acionaria o tão temido embate a partir da Lituânia. Foi por pouco.

Com o colapso da URRS, o 79º Regimento foi deixado para trás e ficou às moscas enquanto a Lituânia se reerguia como nação independente e oficializava os arredores como Parque Nacional Žemaitija para desfrute da população, finalmente.

Quando o país entrou para União Europeia, as instalações foram limpas e organizadas para receber visitantes.

Como chegar

Na Lituânia, a companhia que voa para Vilnius, capital da Lituânia, é a Air Baltic.  da Royal Caribbean fazem o trajeto pelos países nórdicos e bálticos e param no porto de Klaipeda.

Da capital Vilnius para o Parque Nacional Žemaitija/Museu da Guerra Fria:  são 362 km de carro. O centro de informações turísticas na praça central de Vilnius fornece mapas do país e indica onde locar um carro. A Litinterp Guest House também intermedia a locação, que custa cerca de €30 por dia com GPS.  A gasolina custa cerca de €1/l e há postos da norueguesa Statoil espalhados por todo o país.

Da cidade portuária de Klaipeda para o Parque Nacional Žemaitija/Museu da Guerra Fria:  são 85 km de carro. Uma boa ideia é contratar a empresa de Jurga e Martynas Juskiene 
(+370 46 211879). O casal, dono de um albergue e de apartamentos para alugar na cidade, faz tours guiados em inglês atendendo tanto a hóspedes quanto a passageiros dos cruzeiros.

*Algumas placas na estrada estão apenas em lituano: Šaltojo karo ekspozicija  (Museu da Guerra Fria ou Cold War Museum) e Žemaitijos nacionalinis parkas (Parque Nacional Žemaitija).

* O Museu da Guerra Fria abre de maio a setembro das 10h às 18h; outubro a abril das 10h às 16h. Entrada: €5

A placa que indica onde fica a base de mísseis: virou “museus” sobre a Guerra Fria

Onde ficar

Red Brick Apartments, em Klaipeda: o casal Jurga e Martynas mantém apartamentos super modernos, reformados dentro de antigos edifícios em Klaipeda. Como o mesmo capricho, eles mantém o albergue Klaipeda Hostel, perfeitamente localizado em frente à estação de ônibus da cidade.

Litinterp Guest House: a acolhedora guest house tem endereços nos centros históricos de Vilnius e de Klaipeda. Tem quartos confortáveis espalhados por um edifício antigo. O café da manhã é deixado em bandejas nas portas dos quartos. O staff ajuda a organizar visitas guiadas, comprar passagens e locar automóveis. A partir de €40/quarto duplo.

Um segredo da Guerra Fria embaixo da terra na Lituânia

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