Almocei com Peter Garrett quando eu tinha 20 anos.
Peter é um músico australiano, um dos mais famosos ambientalistas do mundo e vocalista da banda australiana de rock Midnight Oil. No final dos anos 80 e início dos 90 a banda fez um baita sucesso. Seu rock ativista clama pela proteção do meio ambiente e pela defesa dos direitos do povo aborígene. Só que nessa época não tínhamos tanto acesso ao inglês como agora. Então cantávamos as músicas da moda sem entender o que significavam.
Se você surfava nesse tempo, com certeza curtia Midnight Oilporque o som da banda era famoso entre os surfistas. Por isso, os “oils” também eram representantes do surf rock.

Aos 20 anos eu estagiava num jornal, e Curitiba, minha cidade, estava numas de ser a cidade ecologicamente correta do Brasil. Um dia o secretário de redação correu na minha direção e pediu que eu fosse almoçar na Universidade Livre do Meio Ambiente com o prefeito e uma tal banda estrangeira: iriam inaugurar algo ecológico.
Cheguei lá e dei de cara com Peter Garrett no buffet de feijoada. Eu ainda não era vegetariana e não ligava uma coisa à outra, mas Peter era. Almocei com ele e os caras da banda me comunicando em mímica sem saber o que estava perdendo. Ele era um ídolo pra mim, mas pelas razões erradas. Eu gostava da batida da música. Só isso.
Muito antes do almoço
Aos dez anos eu tinha um caderno de anotações dedicado ao que eu achava que deveria mudar no mundo. E tudo isso aí que a gente tá falando hoje sobre plástico demais, lixo demais, poluição demais, maltrato aos animais demais, desrespeito à ancestralidade demais…tudo isso estava anotado no meu caderno. Estava anotado também o nome de pessoas e empresas que eu achava que um dia poderiam ajudar. Era um fantasia de criança.
Aí as pessoas riam um pouco quando viam meu caderno… Eu fui crescendo, tomando vergonha e deixando ele pra lá. Era da Tilibra.
Blue Sky Mine e a mina de amianto azul
Assim, quando cheguei aos 20 anos, sentei ao lado de Peter Garrett, o cara que escreveu Blue Sky Mine (abaixo). Eu pulava ouvindo a canção sem saber que ela se refere ao tenebroso caso da mina de amianto azul Wittenoom, na Austrália. Milhares de pessoas que trabalharam por lá expostas à substância entre os anos 40 e 60 ficaram doentes ou morreram. Na canção, Peter diz que os interessados mentem aos acionistas, cruzam os dedos e pagam àqueles que produzem as verdades – enquanto lucro chega às alturas.
Na canção Beds Are Burning, talvez a mais famosa do Midnight Oil, ele fala sobre devolver terras para os aborígenes dizendo que a hora de pagarmos o aluguel, a hora de pagar a nossa parte, chegou. “Vocês cortaram todas as árvores, envenenaram o céu e o mar, tiraram tudo de bom que havia no solo” – é como começa outra canção que denuncia a destruição do ambiente em nome da ganância.
Eu almocei com Peter Garrett e não falei nada.
A lama da Vale
Por fim, me lembrei desse almoço quando a montanha de lama da Vale desceu matando e destruindo. Minha menina de dez anos, escondida dentro de mim, pensou que se tivesse anotado o telefone do Peter Garret, ele faria uma música tão grandiosa sobre essa lama assassina… Tão grandiosa quando Blue Sky Mine e tantas outras.
O careca de dois metros atuou no parlamento, no Ministério do Meio Ambiente e no Ministério da Educação, da Infância e da Juventude da Austrália anos depois.
Se eu tivesse ficado amiga do Peter Garrett, ele escreveria uma música e denunciaria essas coisas todas que estão acontecendo aqui. Mas diria que ” a música pode servir de trilha sonora, mas são as pessoas que fazem a mudança”.
A música pode servir de trilha sonora, mas são as pessoas que fazem a mudança”.
Aos 10 anos a gente sonha.
Entre os 10 e os 20, a vida bota umas armadilhas para testar se a gente quer mesmo seguir o sonho.
Na maioria das vezes a gente esquece o sonho.
E às vezes só se liga nos sinais quando já é tarde.
Eu almocei com Peter Garrett e não aproveitei nada.
Droga.